terça-feira, 1 de setembro de 2009

Entrevista com Mário Lúcio de Freitas - Segunda Parte

Há exatos 15 anos, Os Cavaleiros do Zodíaco estreava na TV Manchete. O sucesso do famoso anime (desenho animado japonês) abriu as portas para outros títulos. As emissoras passaram a exibir animes para concorrer com Cavaleiros. Mário Lúcio de Freitas também participou da versão brasileira da série, já que, nos anos 90, criou a Gota Mágica, famoso estúdio que dublou Bananas de Pijamas, Dragon Ball e Cavaleiros. Mário revela como conseguiu dinheiro para fundar a Gota Mágica. Dica: Cavaleiros foi fundamental.

Os Cavaleiros do Zodíaco foi o primeiro trabalho da Gota Mágica?
Foi o primeiro trabalho da dubladora Gota Mágica. Foi muito engraçado, vou até lhe contar um detalhe: quando eu saí da Marshmallow, eu não tinha pago a minha parte da sociedade. O Paladino sempre teve dinheiro e eu não, era produtor (risos). Aí me ligou um cara que eu não conhecia. Sabe o que eu lhe falei, que eu tocava na porta do Teatro Record e me chamaram para trabalhar lá dentro? Aconteceu igual. O cara do telefone disse: “Sou um empresário espanhol, eu vou trazer uma série para o Brasil e queria que você orçasse a dublagem para mim.” Eu pensei: “Acabei de montar a Gota Mágica e tem um cara me procurando? Eu não vou fazer isso, mas o cara me pediu o orçamento e vou fazer”. Liguei para a Herbert Richers, que era a [dubladora] mais cara que tinha. “Quanto custa a dublagem?”, falei como se eu fosse um cliente. “Custa R$ 10,00 por minuto”, vamos supor que ele falou isso. Falei para o espanhol: “R$ 11,00”. Fiz um preço para não dublar, pois estava sem estúdio, não daria certo. Ele sumiu e me ligou quinze dias depois: “Escuta, seu preço é o mais caro do mercado, é mais caro que o da Herbert Richers”. Eu falei: “Ah, é?”. Ele respondeu: “Só que tem um detalhe: é você que vai fazer”. E eu: “Por quê?”. E ele: “Me indicaram você”. Também não sei quem me indicou! Esse espanhol era o Manolo, presidente da Samtoy, e estava vindo para o Brasil. E aconteceu um negócio muito engraçado. Fizemos dois capítulos e mandei a cobrança. O cara não me pagou. Acontece que ele não tinha regularizado o envio de capital do exterior para o Brasil. Não que eles não tivessem dinheiro, eles não tinham dinheiro no Brasil. Falei: “Eu acabei de montar a Gota Mágica; se eu não pagar, os dubladores param de trabalhar”. Ele pensou e disse: “Depois eu te ligo”. Três dias depois ele me ligou: “Escuta, quanto custaria a série inteira?”

O senhor já tinha comprado a série inteira?
A primeira. Eram duas séries: uma que foi dublada nos estúdios da Marshmallow, mas como Gota Mágica, e outra no estúdio da Gota Mágica. Aí ele perguntou: “Quanto custa a série inteira?” E eu respondi: “Um dinheiro alto”. E ele falou: “Então faz o seguinte: arranja uma conta que eu vou mandar da Espanha o dinheiro de uma vez só”. Ele me mandou o dinheiro adiantado da série inteira para mim. E facilitou para montar o estúdio (risos).

Quem chamou o elenco para dublar Cavaleiros foi o diretor de dublagem?
Eu dei uns palpites. O [Gilberto] Baroli dirigiu a dublagem. Dirigir a dublagem não é dirigir a dubladora. O diretor de dublagem dirige o ator, se ele está acertando direito, se ele está falando certo, mas não é dirigir a coisa. Inclusive, especificamente nessa série, tem dois filhos do Baroli, mas fui eu que escalei. Ele achava chato chamar os filhos para serem os personagens principais. E eu falei: “Não, chama o Hermes [Baroli, dublador do Seiya de Pégaso] e chama a Letícia [Quinto, dubladora da Saori Kido]”. Mas a dublagem em si, dentro do estúdio, era o Baroli, que era um bom diretor.

Bom diretor, mas, em Cavaleiros, muitas vozes foram repetidas, algumas vozes foram mudadas de uma hora para outra, os nomes foram trocados para favorecer a Samtoy...
Mas isso não era culpa dele. A Samtoy era uma distribuidora de brinquedos. Trouxeram a série para vender brinquedo. Um dos personagens não tinha boneco para vender e tinha um que não estava na série. Foi uma caca já feita na Espanha. Não recebemos em japonês, mas em espanhol. As modificações não foram feitas aqui, mas lá na Espanha.

A abertura também era em espanhol...
Era a abertura em espanhol que eu adaptei aqui, mas não era a abertura original japonesa.

A abertura não estava no CD [brasileiro de Os Cavaleiros do Zodíaco, lançado em 1995].
Aí entram os interesses pessoais, como na Samtoy. A Sony Music queria lançar os artistas dele, o que não tinha nada a ver. Nada a ver por quê? Porque a série era meio sinfônica, tinha algo meio lúdico, e eles puseram uma discoteca. Não tinha nada a ver com a série. A música "Marin", que eu fiz, é bem a cara da série. Eu coloquei o Hermes falando, dando o grito do personagem, porque eu queria amarrar com a série. A Sarah Regina, minha esposa naquela época, cantou as músicas que eu fiz. A Sony Music fez duas músicas para vender e um abraço.

A Rede Manchete exibiu 52 episódios de Os Cavaleiros do Zodíaco, que foram reprisados e reprisados. Depois vieram os episódios seguintes, inclusive com uma dublagem melhor, o áudio já estava melhor...
Porque [a dublagem dos primeiros 52 episódios] foi no estúdio da Gota Mágica. O estúdio da Gota era mais moderno que o da Marshmallow.

A Gota Mágica recebeu primeiro a série de 52 episódios e depois receberam a outra série?

Porque muitos atribuem à dublagem a culpada pelas reprises da Manchete.
Não, nada a ver.

A Gota Mágica abriu as portas para os fãs de Os Cavaleiros do Zodíaco. Isso foi uma novidade?
Sim. O relacionamento entre os fãs e a Gota Mágica não existia em outros estúdios. As revistas de animes (desenhos animados japoneses) da época, a revista Herói, a imprensa em geral visitava.

O senhor quem autorizou a entrada dos fãs?
Isso. É a minha filosofia de trabalho. É a minha maneira de ser.

No auge de Os Cavaleiros do Zodíaco, o amigo e dublador Marcelo Gastaldi faleceu. Por isso não conseguiu chamá-lo para dublar na Gota Mágica?
O Marcelo tinha sumido nessa época. Minha mulher daquela época o havia encontrado já debilitado. Mas não houve “final de amizade”.

Como conheceu Jonas Mello, a voz-padrão da Gota Mágica?
Queria que a voz-padrão da Gota Mágica fosse uma voz marcante, então o convidei. Uma coisa nova foi a de o Jonas falar: “Versão brasileira: Gota Mágica, São Paulo”. Colocamos o “São Paulo”, porque, na época, a dublagem dita “boa” estava no Rio de Janeiro.

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