sábado, 18 de setembro de 2010

O futuro já começou

O título condiz com o tema deste texto, sobre o aniversário da TV brasileira. Conhecido verso da música de final de ano da maior emissora do Brasil, "O futuro já começou" também representa o atual estágio da nossa televisão. Entre a resistente velha guarda, há jovens que mantêm a "fábrica de sonhos" funcionando.

Parece que o tempo não passou para a TV brasileira. Na Globo, a nova novela das seis, Araguaia, terá no elenco Lima Duarte, Regina Duarte e Laura Cardoso. A novela das sete voltou 25 anos para resgatar o sucesso de Ti-ti-ti. O SBT é a maior prova do passado no presente: Manoel da Nóbrega criou A Praça da Alegria em 1957, e seu filho, Carlos Alberto, manteve a ideia em A Praça é Nossa. Sem contar os ícones: Raul Gil, Hebe Camargo e o mestre Silvio Santos, que sustenta a audiência de sua emissora com reprises - das câmeras escondidas dos anos 1990 às novelas da extinta Rede Manchete, passando pelo mexicano Chaves, há 26 anos no ar.

Apesar disso, a renovação da TV já começou há mais de vinte anos e está se aproximando do ápice. Silvio Santos já tinha consciência de sua finitude quando anunciou a aposentadoria, em 1988, deixando os domingos sob a responsabilidade do pupilo Gugu Liberato - o que não ocorreu. A Globo já sabia que deveria ter um substituto para Chacrinha, um velho guerreiro em fase terminal. Fausto Silva preencheu a lacuna parcialmente: sua língua - o que que mais o aproximava de Abelardo Barbosa - foi polida. E o gordo desbocado do Perdidos na Noite virou o Faustão, em 1989. Hoje, o destino dos programas de auditório está nas mãos de Celso Portiolli (SBT), Luciano Huck (Globo) e Rodrigo Faro (Record).

Em 1990, veio a MTV Brasil e um novo conceito: a segmentação. A TV por assinatura, ascendente mas ainda tímida nas classes mais baixas, impulsionou essa transformação. Canais destinados à mulher, à criança, à música, ao cinema, ao jornalismo. Com o controle remoto, o telespectador aprendeu a escolher. A primeira década do século XXI termina com as emissoras tentando adivinhar o que atrai audiência certa.

Tal poder de decisão definirá os rumos da TV nos próximos anos. Com o público cada vez mais longe de casa, o televisor terá mais importância como artigo decorativo, mas a televisão continuará existindo: na internet, no celular. O televisor será mais móvel como nunca. A alternativa para escapar da concorrência com outras mídias é unir-se a elas.

E o conteúdo? Prognóstico mais certo é o da continuação da hegemonia da Globo. Mas o futuro das emissoras restantes é incerto. O SBT não sabe como irá se comportar quando Silvio Santos inevitavelmente parar. A Record ainda tem dificuldade para andar com as próprias pernas - e abandonar as duas muletas: Igreja Universal e cópia do Padrão Globo de Qualidade. A RedeTV!, caçula dos canais VHF, investe em tecnologia o que não investe em excelência na programação. À Band falta a mesma ousadia com a que apresenta no jornalismo.
As maiores transformações de fato acontecerão quando as gerações seguintes assumirem o controle das emissoras. A atuação dos herdeiros dos Marinho, dos Abravanel e dos Saad definirá se a TV realmente entrará em nova fase. Mas o público - felizmente - tem mais opções para se informar e se entreter. Quando quiser. Onde quiser. A TV já moldou o brasileiro. Chegou a vez de o brasileiro moldar a TV. O futuro já começou.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Autobiografia alvinegra

É fácil demais torcer pelo time que está ganhando. Queremos ser vencedores, e imprimimos nossa vontade de triunfar, por exemplo, no futebol. Então, como explicar a existência de uma Nação formada por 30 milhões de apaixonados por um time que não conquistou títulos internacionais significativos nem possui estádio – por enquanto – digno? Uma pergunta tão complexa pode ser respondida com exemplos pessoais. Conto, pois, o meu.

Contrariando a lógica familiar, não herdei de meu pai o time do coração. Simplesmente porque ele não torcia – e ainda não torce – por time algum. E a aversão dele ao futebol contagiou-me durante sete anos. Minha memória inicia-se em 1993, quando decidi ser torcedor de um time por ano. Isso mesmo. Só que a memória para aí. Não me lembro quais os times escolhidos, exceto por uma lembrança: uma caneca, comprada em 1993, do Corinthians. Nesse ano, portanto, eu era corintiano. Ano em que o Corinthians não foi campeão – perdendo inclusive para seu arquirrival, Palmeiras. Por que torci por um time perdedor, então?

O ano de 1997 foi um divisor de águas. O Corinthians venceu o Campeonato Paulista às vésperas do meu aniversário de oito anos. Fui seduzido pela conquista, que acalmou um dos anos mais conturbados de minha vida. A partir do título paulista, tornei-me corintiano. Mas o azar pegou-me de surpresa: o segundo semestre do time foi catastrófico, correndo o risco de cair para a segunda divisão no Campeonato Brasileiro. No entanto, mantive minha fidelidade ao Corinthians. Por quê?

Fiel em 1998, quando Raí tirou o título paulista do Corinthians. Jogo que perdi. Tive que acompanhar minha mãe em uma busca inquietante pelo CD “Chiquititas 2” para minha irmã. Minha fúria, aos 9 anos de idade, era mais uma prova de que já não pertencia a mim mesmo, mas ao Corinthians.

Em seguida, veio a época mais vitoriosa do clube. Quatro títulos, sendo dois nacionais e um mundial. Entreguei minha vida ao Corinthians, colecionando tudo (o que estava ao alcance do meu bolso infantil) sobre o clube. Camisas, jornais, pôsteres e revistas – a maioria destas, aliás, assinadas por quem viria a ser meu professor de Jornalismo, uma emocionante coincidência. Em 1999, era orgulho ser corintiano, mesmo tendo sido eliminado da Taça Libertadores pelo Palmeiras. E daí? Aquele timaço apaixonado sobrepujava qualquer gozação adversária.

O desafio final veio em 2000. Comemorei o Mundial embalado pelas conquistas do ano anterior. Contudo, a nuvem alvinegra que pairou sobre mim durante esse tempo tornou-se negra por completo. Uma de minhas maiores decepções como corintiano aconteceu em 6 de junho. Terça-feira. Véspera do meu aniversário de 11 anos. Semifinal da Taça Libertadores. Corinthians x Palmeiras. Após termos vencido com suor e raça o primeiro jogo por 4 a 3, nos preparamos para a segunda e decisiva partida. Jamais havíamos chegado tão longe na competição mais aguardada pelos corintianos. O calendário castigou o time, que tinha três jogos importantíssimos na mesma semana. Os reservas foram eliminados da Copa do Brasil pelo Botafogo, na quinta-feira. Dois dias depois, o São Paulo nos tirou do Paulistão. Revés atrás de revés, mas não me desanimei e acompanhei o jogo da minha vida pela televisão.

O resultado: eliminação nos pênaltis. Após a cara incrédula, o desabafo. O choro incontido no quarto. A expectativa ruim para o dia seguinte, quando esperaria os colegas palmeirenses prontos para tirar sarro do único corintiano da sala. Eu já sofria bullying por outros motivos, desta vez por ser corintiano. E agora, o que faço? Troco de time? Desisto do futebol? Não. Bom, eu realmente me afastei do vício e ingressei na pré-adolescência. Mas o amor que eu acreditava ter sido suprimido pela dor da derrota, reaparecia a cada título posterior. Sem perceber, comemorei com incrível entusiasmo as conquistas no Campeonato Paulista, na Copa do Brasil e no Campeonato Brasileiro. Resisti às lágrimas em 2007. Vibrei com a volta em 2008.

Tantas derrotas citei neste texto. Tantos motivos para desistir de ser corintiano. Mas corintiano não desiste. Porque ser corintiano é razão de existência. Quando menos se espera, corpo e alma estão amalgamados ao amor pelo Corinthians. Não vibro pela vitória. Não vibro pela derrota. Vibro pelo Corinthians, e agradeço por essa alma alvinegra ter dado a mim um motivo para sorrir – e chorar; enfim, para viver. Obrigado, Corinthians!