sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A piada-pronta de Stanislaw Ponte Preta nos tempos de ditadura

Quem pensa que a ditadura militar (1964-1985) conseguiu calar todas as críticas contra o regime está enganado. Sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, o jornalista Sérgio Porto (1923–1968) abusou do humor ácido para comentar o Brasil da primeira metade dos anos 1960 nas crônicas de Febeapá 1 – 1º Festival de Besteira que Assola o País (1966).

O primeiro livro da trilogia (Febeapá 2 e 3 foram lançados em 1967 e 1968, respectivamente) contém textos publicados no jornal carioca Última Hora. As cinquenta crônicas são divididas em duas partes.

Na "I parte", os envolvidos são, em sua maioria, generais, coronéis e agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), como uma crítica ao desastrado regime militar que se iniciava no país. No livro A crônica, Jorge de Sá comenta que, apesar da aparente simplicidade, a crônica "só pode ser valorizada quando a lemos criticamente".

Na "II parte", o brasileiro entra em cena, em especial seus conterrâneos fluminenses. Algumas histórias trazem protagonistas corrompendo a moralidade vigente. Em "O passeio do pastor", Stanislaw confunde o leitor até a última linha, quando apresenta o tal pastor que "pulara o muro sorrateiramente", "pareceu vislumbrar alguém do sexo oposto" e demorou "um tempo comprometedor" namorando. Tratava-se de um cão pastor alemão.

Em "Desastre de automóvel", o marido apanhou da mulher ciumenta após ter saído com a Mercedes sem dizer aonde iria. A tal Mercedes, o automóvel Mercedes-Benz, confirma o título: "Foi ou não foi um desastre de automóvel?", justifica Ponte Preta. Diz Jorge de Sá: "O que importa é o tom jocoso da expressão, que tanto pode ser uma gíria incorporada à fala pela consagração do uso, quanto um termo pouco usado, que causa em nós uma surpresa que soa de forma engraçada".

O próprio Stanislaw surpreendeu-se com a utilização de um de seus escritos em um livro pedagógico: "Sinceramente, eu não merecia tantas lantejoulas". Com razão. O duplo sentido e a ironia excessiva presentes em seus textos não seriam os mais eficazes para educar crianças. O escritor expõe a traição, a corrupção e a luxúria, situações cômicas se não fossem trágicas, com leveza e refinamento. Jorge de Sá salienta o papel da irreverência para entender os casos.


O tom desbocado e as comparações impensáveis de Ponte Preta acentua o humor das histórias de Febeapá 1. Ainda Jorge de Sá: "Numa linguagem moleque, rompe os padrões da norma culta e constrói uma linguagem nova, dinâmica e séria". O próprio Stanislaw considera que seu estilo literário faz dele "um escritor de importância transcendental".


Stanislaw Ponte Preta consegue, com ironia e a graça carioca de contar histórias, traçar um perfil da sociedade brasileira dos anos 1960, quando uma ditadura militar se instaurava. O apanhado de sátiras do cotidiano envolvendo pessoas comuns, a alta sociedade, a polícia e a política é muito semelhante às histórias que José Simão escreve em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo desde 1987. As "besteiras que assolam o país", expostas por Stanislaw, com Febeapá, e por seus seguidores, garantem o título de "país da piada-pronta" ao Brasil.

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