quarta-feira, 31 de março de 2010

Ode ao erro

Exposição discute, de forma interativa e bem-humorada, os erros de português recorrentes

Por Paulo Pacheco e Viviane Laubé

“Tá quereno ir numa esposissão?” Calma, os erros são propositais. Mas, caso não tenha entendido, a exposição Menas: o certo do errado, o errado do certo, do Museu da Língua Portuguesa, ensina a maneira correta de falar português.

Logo na entrada, a expressão “menas” em tamanho gigante assusta os defensores da língua culta e consola quem a aderiu ao próprio vocabulário. Espelhos pendurados com palavras pintadas de azul dão o tom de um jogo com efeitos óticos, prendendo o olhar dos visitantes.

Na sala seguinte, painéis saltam da parede com diversos erros ortográficos comuns durante o ato da fala. Por exemplo, muitas pessoas ficam impressionadas ao descobrir que “eu explodo de raiva” está incorreto na forma culta, pois segundo gramáticos e dicionaristas, o certo seria “eu estou explodindo de raiva”. Vitória para o maltratado e banalizado gerúndio.

Um quiz sobre o uso correto da língua portuguesa está presente no local. Mesmo quem acerta as perguntas tem uma surpresa: o computador aceita todas as alternativas como exatas. Desta forma, a exposição defende que a língua sofre transformações a partir do uso dos falantes, e se alguém utilizou uma palavra, ela existe.

Murais, aparelhos de televisão, mesas e camisetas se transformam em suportes para trechos de poesias e músicas que tratam o idioma com originalidade. As citações vão de Machado de Assis e Clarice Lispector a Demônios da Garoa e Racionais Mc’s.

Uma personagem marcante da exposição é Norma, a Camaleoa. No espelho do banheiro, quatro mulheres discutem as regras do português. A Norma Helena defende a gramática; a Brigite, o léxico; a Lígia, a semântica; e, por fim, a Maria, crente de que o uso faz o linguajar, mesmo concordando com a posição das outras. Na verdade, as quatro Normas compõem uma só personagem – a língua portuguesa.

O espaço reservado ao humor e à criatividade do brasileiro possui anúncios, frases de parachoque de caminhão e algumas das expressões mais utilizadas no cotidiano, como: “Aquele lá foi pra cucuia”, “Se pá, até rola” e “Uh! Tererê!”. Nas placas, a engenhosidade ganha níveis inacreditáveis. Uma das mais engraçadas é a da venda de um refrigerador: “Compra-se geladeira viva ou morta”.

Ao contrário do que possa parecer, a exposição não tem cunho didático. Incentiva o uso correto de nosso idioma, considerado um dos mais difíceis de aprender. Não obstante, pretende demonstrar que erros corriqueiros da fala podem ser facilmente compreendidos. Afinal, está claro o sentido da primeira frase do texto, não está?

Serviço:
Menas: o certo do errado, o errado do certo
Local: Museu da Língua Portuguesa (Praça da Luz, s/nº – Centro)
Ingresso: R$ 6 (grátis para menores de dez, maiores de 60 anos e aos sábados)
Quando: Terça a domingo, das 10h às 17h. Até 27 de junho.


Esta crítica foi originalmente publicada no site de Cultura Geral da Faculdade Cásper Líbero.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Festa do Eu Sozinho

Localizado na Cachoeirinha (zona norte de SP), o Centro Cultural da Juventude (CCJ) Ruth Cardoso comemora quatro anos de sua fundação no próximo sábado (dia 27). No entanto, o espaço ainda é pouco movimentado, e a data corre o risco de passar em branco.

Para tentar atrair mais público, a biblioteca inaugurou, no último sábado (dia 20), uma HQteca – biblioteca exclusiva para histórias em quadrinhos. "Percebi que quadrinhos é o que mais sai da estante, então o investimento maior tem sido nisso, por isso que veio a decisão de inaugurar uma HQteca", afirma Dolores Biruel, coordenadora da biblioteca.

Alguns eventos isolados conseguem trazer mais visitantes ao CCJ. O projeto "Diálogos", que traz um profissional renomado para contar sobre sua carreira, também é realizado na biblioteca. Um dos recordes de público foi durante a vinda do ex-jogador de futebol Raí. "A do Raí encheu bastante e foi impressionante porque foi no meio da semana", ressalta Biruel.

Um projeto que busca atrair os moradores é o "A hora e a Vez do Vestibular", uma série de palestras sobre as obras literárias exigidas pelos principais vestibulares do País. Dolores Biruel fica emocionada ao comentar o sucesso dos encontros: "A ideia era incentivar a leitura. Só que eu via necessidade de ter um professor que utilizasse a linguagem do vestibular. Deu certo, e o resultado que eu tive foi o das pessoas virem até aqui e falar: 'Passei no vestibular, entrei'".

Outros eventos não têm a mesma sorte. As sessões de cinema, que aconteciam às quartas e quintas-feiras no anfiteatro do CCJ, foram canceladas no final de 2009, por falta de público. A promessa é retornar com o "cinema". "Havia sessões com cinco, oito pessoas. Queremos continuar, desde que não sejam no anfiteatro, que é um espaço privilegiado do centro cultural. Não temos prazo, mas a ideia é voltar", afirma Marília Jahnel, assistente de redes sociais.

Jahnel também adianta os preparativos para a Virada Cultural 2010, que reúne os centros culturais espalhados pela capital paulista. Em 2008 e 2009, o cineasta Zé do Caixão participou do Cinetério, que exibiu filmes de terror de madrugada em frente ao Cemitério de Vila Nova Cachoeirinha (assista ao vídeo abaixo). O CCJ, desta vez, terá uma participação mais tímida. "O Cinetério vai continuar, mas não na Virada. Decidimos que, para a Virada, teremos RPG (Role Playing Game)", antecipa.

Para comemorar o aniversário de quatro anos, O CCJ Ruth Cardoso será transformado em picadeiro, com atrações circenses no último fim de semana de março – o dia 27 também é o Dia do Circo. Já a Virada Cultural 2010 acontece dias 15 e 16 de maio.

domingo, 14 de março de 2010

Tudo o que é Sólido vira DVD

No dia 13 de março, a livraria Cultura do Bourbon Shopping Pompeia foi tomada por jovens apaixonados por livros. O local pode parecer óbvio, mas o motivo era o lançamento em DVD da série Tudo o que É Sólido Pode Derreter, produzida pela Ioiô Filmes em parceria com a TV Cultura.

Reunidos em um box com quatro DVDs, os 13 episódios da produção infanto-juvenil retratam o dia a dia de jovens de uma escola pública. A protagonista Thereza (Mayara Constantino) se envolve com as obras da literatura e passa a projetá-las em seu cotidiano.

De forma bem humorada, a série aborda clássicos como Macunaíma, de Mário de Andrade, Dom Casmurro, de Machado de Assis, e Os Lusíadas, de Luis de Camões. “Tenho o impulso de trazer outras formas de arte para dentro do audiovisual. E, na TV, sinto falta de coisas que tornem todas essas artes acessíveis aos jovens”, conta Rafael Gomes, um dos criadores de série.

O evento começou com um bate-papo com os diretores e atores de Tudo o que É Sólido Pode Derreter. Durante a coletiva, o elenco destacou que a série não tem a linearidade comum na dramaturgia televisiva. Thereza, por exemplo, mesmo sendo a personagem principal, não é boa moça o tempo todo. Nem Dalila (Wendy Bassi) exerce o papel de antagonista em todos os episódios – como o próprio nome da série sugere. Ao final, os atores foram surpreendidos com a exibição, no telão do auditório da livraria, dos erros de gravação, além de momentos de descontração entre os atores.

Em seguida, o público adolescente pôde praticar a tietagem com pedidos de autógrafos e fotos. “Graças ao episódio sobre Os Lusíadas, consegui tirar 8,5 na prova”, confessa uma fã ao diretor Esmir Filho.

Rafael Gomes adianta a produção da segunda temporada da série, que começará a ser produzida em breve. “O projeto mira obras da literatura de língua portuguesa. Vamos continuar com essa investigação das obras literárias dos grandes autores nacionais.”

A produção audiovisual também está prestes a concorrer espaço com os clássicos que aborda. O diretor começou a escrever um livro sobre Tudo o que É Sólido Pode Derreter. “Foi um convite de uma editora que gostou muito do trabalho feito na série. Estou tendo que descobrir como fazer isso, é um trabalho diário”, revela Rafael.

Enquanto a nova temporada não começa, os fãs podem assistir aos 13 episódios iniciais da série pela internet. Mas também vale o convite de aproveitar o tempo lendo uma das obras indicadas em Tudo o que É Sólido Pode Derreter.

EDIT: Esta reportagem foi publicada no site de Cultura Geral da Faculdade Cásper Líbero.

segunda-feira, 1 de março de 2010

O suor multirracial

Filme mostra lições de superação e esperança em um país tomado pelo apartheid

Por Fernanda Patrocínio e Paulo Pacheco

Invictus, dirigido por Clint Eastwood, mostra como Nelson Mandela utilizou o rúgbi para unificar uma nação dividida pelo apartheid. Escolhido pelo ex-presidente para interpretá-lo na película, Morgan Freeman dá vida a um líder sensível, que olha com otimismo as pequenas vitórias em uma nação desgastada político e socialmente.

É com este espírito esperançoso que Madiba – forma carinhosa na qual os sul-africanos chamam Mandela – dá forças a seleção de rúgbi do país (conhecida como Springbooks), contrariando a todos. O esporte é uma das heranças da colonização britânica na África do Sul, sendo praticado majoritariamente pela população branca. Ao assistir a uma partida, ele percebe que a seleção é um grande fiasco, como a nação dividida entre brancos e negros. Sendo assim, promove a mobilidade social entre os sul-africanos pela Copa do Mundo.

O capitão do time de rúgbi, François Pienaar, é o escolhido por Mandela para representar essa nova esperança da África do Sul. Interpretado por Matt Damon, o personagem vem de uma família que é contra o fim do apartheid e teme que a liderança do negro Mandela se vingue da presença branca no país. Madiba ficou 26 anos preso devido ao governo regido por brancos. Pienaar é convidado a tomar chá – outro hábito inglês – com o presidente e, nesta conversa, ele revela o desejo de ver, até então, o fracassado time de rúgbi da África do Sul sendo campeão do mundo. Na equipe só há um jogador negro e este é o grande ídolo do país, não somente pelo desempenho em campo, mas devido ao peso simbólico de um afrodescendente em um time predominantemente branco.

Mandela mescla esporte e política, construindo uma emocionante narrativa contemporânea da África do Sul. No decorrer da história pequenos gestos de união intrerracial são evidenciados, alegrando o sábio governante. A dedicação dele é tanta que há momentos em que os personagens se perguntam se ele está interessado somente na política ou no esporte também. O presidente cria um vínculo forte, quase familiar, com os atletas do time de rúgbi. Passa a deixar a política em segundo plano e transforma a modalidade em paixão nacional. Fato é que a perseverança em todo processo transforma uma nação, que apesar de continuar pobre, tem sua auto-estima aumentada.

Freeman incorporou o Madiba na vestimenta, discursos e até mesmo no peculiar sotaque inglês do idioma sul-africano. A narrativa do longa deu um tom mais romântico, quase canônico, à vida dele. Essa característica se evidencia quando Pienaar visita a cela onde o presidente ficou preso. Ele, recordando o poema que o líder lia para se reerguer, percebe a responsabilidade de unir seu time para que Mandela pudesse unir seu povo.

No filme, Eastwood usa um esporte violento para representar a realidade crua que a África do Sul vivia. A segregação racial, miséria, sobretudo da população negra, rivalidades e falta de esperança no país e no sentimento de cidadão sul-africano são tão transparentes quanto as vexatórias derrotas dos Springbooks. De forma agressiva e perseverante a história de superação é construída, valendo-se a força interior que cada um carrega em si. A imagem do início da película, em que crianças negras abandonam o jogo de futebol para saudar intensamente Mandela, revela que ali transita um dos maiores ícones da contemporaneidade.

Quem assiste a Invictus sai do cinema encantado com lições de superação contadas no longa: a seleção desunida, preterida pela maioria da população, mas que conseguiu vencer a Copa do Mundo; a de Mandela, abandonando o triste passado de segregação para reconstrução de sua nação e da África do Sul, que sedia a Copa e mostra o significado do patriotismo ao mundo. Dever cumprido para um homem que, através do esporte, trouxe de volta o amor para seu país.

Esta crítica foi originalmente publicada no site de Cultura Geral da Faculdade Cásper Líbero.