terça-feira, 25 de agosto de 2009

Entrevista com Mário Lúcio de Freitas - Primeira Parte

Mario Lúcio de Freitas é músico, compositor, chegou a participar da Jovem Guarda, apresentou um programa na TV Cultura, ganhou prêmios com jingles publicitários e fez trabalhos para a TV Globo. Talvez seu trabalho mais reconhecido – por ainda estar no ar – seja a dublagem do seriado Chaves. Vindo do México em 1981, estreou no SBT há exatos 25 anos. Como não veio preparada para dublagem, a versão brasileira teve que abusar da criatividade. Mário Lúcio de Freitas, responsável pelas músicas do seriado, conta como conheceu Silvio Santos, revela bastidores da dublagem de Chaves e fala de sua amizade com Marcelo Gastaldi (Maga), a voz do Chaves, morto em 1995.

Quando começou sua carreira?
Foi no circo Marabá, do meu pai, em 1952. Eu era o palhacinho, meus pais eram trapezistas e trabalharam em circos grandes na época, como o Circo Garcia. Meu pai também era palhaço, comprou um circo e me deu a chance.

Como foi o ingresso do circo para a televisão?
Eu comecei a fazer alguns programas de televisão. Acho que eles me viram no circo e me convidaram para fazer programas do tipo Praça da Alegria. Comecei a fazer umas pontinhas vestido de palhaço e resolveram me contratar.

Como surgiu sua trajetória de músico?
No circo eu já cantava. Em 1962, meu pai me comprou uma guitarra e eu comecei a tocar um pouquinho. Minha amiga Soninha, namorada de um amigo que você deve conhecer e que já faleceu, o Marcelo Gastaldi, tocava um pouquinho de violão e começou a me ensinar a música "Ouça", da Maysa. E me convidaram para entrar em um conjunto que estava começando, Os Giannini’s. Comecei a ser o contrabaixista, porque, como tinha quatro guitarristas e um baterista, alguém tinha que tocar contrabaixo (risos). Surgiu o programa Jovem Guarda, com todo aquele sucesso, a fila era muito grande naquela época, e contrataram meu conjunto para ficar tocando na rua, animando a fila. E um dia um baixista da Jovem Guarda saiu de um conjunto e foi para outro, e me convidaram para entrar no lugar, foi quando eu fiz Jovem Guarda, e virei profissional.

Nesse grupo tinha o Marcelo Gastaldi?
Não. Esse grupo [com o Marcelo Gastadi] era o quarteto vocal Os Iguais, comigo, o Antônio Marcos, que ficou famoso, o Apolo e o Marcelo Gastaldi. O Marcelo e eu éramos atores da TV Paulista nessa época. O Antônio Marcos, não. O Apolo não era ator, mas trabalhava na parte administrativa da TV Paulista.

O senhor e o Marcelo conviveram juntos...
Até ele morrer, de 1960 a 1995. Só que teve uma fase em que nos separamos um pouco. Quando o conjunto acabou, ficamos um tempo assim. Depois nós voltamos na época do SBT, nos anos 80 e depois até o fim.

Já que falou de SBT, como o senhor conheceu Silvio Santos?
Conheço o Silvio Santos desde 1959, 1960. Exatamente a fase em que eu estava fazendo circo e ele, televisão. Eu cheguei a fazer a "Caravana do Peru", não sei se você já ouviu falar disso, a caravana de circo do Silvio Santos. Chamava-se "Caravana do Peru" porque o apelido do Silvio Santos no começo era “o peru que fala”, porque ele ficava vermelho. A primeira coisa que ele começou a fazer foi circo, e eu participei por um tempo da "Caravana do Peru".

Então quando o Silvio fundou o SBT, ele já o conhecia.
Só que eu acho que ele não me conhece até hoje. Eu fiz uns 200 trabalhos para ele, mas...

Quando o SBT cobriu o evento com os fãs de Chaves, o senhor estava lá e não o entrevistaram.
Não, me entrevistaram. Só que me cortaram. Você sabe por que, não é?

Gostaria que o senhor me explicasse.
Existe um processo meu contra o SBT. Eu trabalhei no SBT de 1981 a 1996, mas eu nunca fui funcionário, só prestei serviços. Existe no SBT um departamento musical dirigido pelo maestro Osmar Milani. Então toda vez que precisava fazer a abertura de um programa, o SBT pedia para o departamento criar a música. O SBT não gostava muito do trabalho do departamento e em cima da hora pediam para mim. Eu acabei fazendo umas 40 aberturas para eles, só que eu não era funcionário deles. Em todo esse tempo não colocavam o meu nome. É isso que está sendo cobrado. Eu digo que ele não me conhece porque eu trabalho com ele desde a "Caravana do Peru", trabalhei 15 anos para o SBT e ele não sabe quem eu sou. Se ele me encontrar na rua, ele não sabe quem eu sou. Mas não acho que seja de propósito, ele é uma pessoa muito ocupada. Acho que, realmente, falta assessoria.

Desde o começo da TVS, o senhor trabalhou fazendo aberturas?
Sim. Comecei fazendo Lucille Ball, uma série cujas músicas eu fazia para cantar. Depois fiz a abertura do Marco, um desenho, tinha uma abertura. A música não era minha, mas fiz o arranjo. E comecei a fazer isso, me chamaram para fazer porque não tinha ninguém contratado da emissora para fazer. E fiz as novelas, fiz dez novelas.

Fez Os ricos também choram?
Os ricos também choram, Chispita...

Vocês que trocaram Guadalajara por Araraquara?
Foi a dublagem (risos). É uma orientação do SBT. O Silvio Santos pedia para que tudo fosse dublado. No próprio Chaves acontecia isso.

Isso até prejudicou um pouco, porque, no Chaves, quando teve diferença de lotes, a continuação de um episódio foi comprada anos depois e o primeiro episódio da história de Acapulco, por exemplo, a cidade era Acapulco, mas, nos outros dois, foi dublado como Guarujá.
Neste caso, a culpa não é nem da dublagem, nem do SBT. É culpa da Televisa. Eles [da Televisa] eram meio bagunçados. Outro caso que acontecia era que, na época, as gravações eram ruins, chegavam capítulos, por exemplo, em que um pedaço da fita estava todo deteriorado, não dava para exibir aquilo. Todo mundo pensa: "Não, é episódio perdido". Não era perdido, mas veio em más condições e não dava para exibir aquilo. Não houve um planejamento da Televisa para vender a série organizada. E também era uma coisa da época, a dublagem estava passando de filme para o videotape. Todo mundo se perdeu ali.

Quando Chaves chegou ao SBT, o Silvio pediu para a Maga dublar. A Maga era um estúdio sem estúdio?
A Maga não tinha estúdio, mas nem precisava ter. O SBT tinha feito seis estúdios e terceirizava a dublagem, contratava várias dubladoras. E me contratavam para fazer música para todas. Eu dirigi muitas séries no SBT, como Jem e as Hologramas, Ursinhos Carinhosos, isso nos estúdios do SBT. O diretor era o Salathiel Lage, um amigo meu, até conversei com ele outro dia, e ele estava me lembrando exatamente da chegada desse primeiro lote. Primeiro: Chaves não ia para o ar. O departamento artístico do SBT, que na época era TVS ainda, disse: "Não, isso aí é muito ruim, não vamos pôr no ar isso. Não vai para o ar". Chaves veio de contrapeso, o Silvio comprou uns programas, umas novelas e veio o Chaves de brinde (risos). E o departamento disse: “Não, essa série é muito ruim, é um humor muito infantil, moleque, criança não gosta disso. Não vamos colocar no ar". E o Salathiel falou para o Silvio Santos: "Silvio, você tem que colocar no ar, isso é legal". E o Silvio respondeu: “Não, o departamento já falou que não vai para o ar". E o Salathiel falou: "É o tipo do humor que a criança vai gostar, eu gostaria até que meu filho visse". Mas o Silvio respondeu: "Não, não, não vai para o ar".

O Silvio falou isso?
O Silvio não queria que pusesse no ar. O Salathiel insistiu, insistiu, até que o Silvio falou (imitando o Silvio Santos): "Está bom, está bom, Salathiel, vamos colocar", mas foi de contragosto, porque ninguém acreditava no Chaves. Eu já vi até gente escrever que isso é mentira. Não é mentira, eu acabei de ouvir isso de novo do diretor da dubladora. Isso é verdade. A série não ia para o ar, porque não acreditaram. E, na época, a mídia disse que estava mal dublado, que a dublagem era horrorosa. Estava mudando de filme para vídeo. Então começaram a dublar em vídeo e tinha que refazer tudo: porta, avião, passo, música. E hoje falam que a melhor dublagem é a do Chaves.

Como o senhor foi chamado pelo SBT para fazer as músicas?
O Marcelo me indicou.

Desde o começo [da dublagem de Chaves] o senhor também participava?
Eu participei de tudo, comecei antes disso. Eu fazia a parte musical. Todas as músicas que cantam na série fui eu que dirigi. Tem um violão tocando, mas sou eu que toco. O Chaves vai tocar uma música, mas sou eu que estou tocando. E algumas músicas também, essas musiquinhas que nós chamamos de "Background Music", mas que, na verdade, é ME, "Música e Efeitos". Depois, já nos anos 90, teve o lote dublado na Marshmallow. A Maga foi para lá e alugou alguns estúdios nossos.

Como foi fundada a Marshmallow?
Começou a pintar muita coisa para fazer, então fiz uma sociedade com o Gilberto Santamaría para fazer o estúdio Marshmallow. Depois entrou um terceiro sócio, o [Antônio] Paladino, diretor da gravadora do SBT e diretor da Som Livre. Ele trabalhava na Som Livre, foi para o SBT e voltou para a Som Livre. Montamos a Marshmallow, um estúdio de publicidade, e começamos a fazer dublagens. Depois eu saí e ficou só como dubladora mesmo.

O senhor se lembra de quantas vezes a Marshmallow dublou Chaves? Porque foram em anos diferentes.
Foi em 1992. Já tinha fechado o estúdio na TVS e a Maga ficou sem estúdio. As músicas do Chaves foram gravadas todas na Marshmallow. Nessa época, esses capítulos da Maga dublados na Marshmallow já vinham com ME, mas eram meia-boca, eles estavam começando a fazer isso. Por isso que em alguns capítulos tem músicas minhas de discos da Som Livre. Por exemplo, tem disco da novela Vamp [da Rede Globo], tem música minha que está no Chaves. Por quê? Porque a ME estava ruim.

Caiu como uma luva, hein?
(Risos) Melhor do que as outras! Mas na realidade foi feita para a novela.

Como era a sua relação profissional com a Globo?
Meu parceiro que trabalhava na Som Livre e eu não podíamos apresentar os projetos com nosso nome, por isso usávamos pseudônimos.

Depois da Marshmallow veio a Gota Mágica. Como foi feita essa transição?
O meu primeiro sócio, Gilberto Santamaría, morreu, era novo, tinha 38 anos. Aí fiquei só com o Paladino. Hoje ele é meu amigo, mas na época a sociedade não estava dando certo. Eu falei: "Paladino, eu vou sair, vou fazer um estúdio para mim, só que enquanto eu estou montando o estúdio eu posso ficar aqui?" Ele disse: "Tudo bem". Eu saí da sociedade e fiquei mais um mês na Marshmallow, mas já não sendo Marshmallow, sendo Gota Mágica. A Gota Mágica nasceu dentro da Marshmallow. Ficou um ano gravando no estúdio da Marshmallow. A Gota Mágica estreou em 1994.

Por que a Gota Mágica fechou?
Eu não tinha saído com muito dinheiro da Marshmallow. Além disso, montamos o estúdio da Gota Mágica para três firmas, mas não era sociedade. A primeira fechou logo. A segunda também fechou. A Gota Mágica ficou com uma estrutura muito grande só para ela.

O Clube do Chaves foi dublado na Gota Mágica, mas em que estúdio?
O Clube foi dublado nos Estúdios Echo’s. Nós alugamos e fizemos lá.

A dublagem do Clube do Chaves ficou marcada pela adaptação polêmica. Como foi feita a tradução?
Muitas piadas e trocadilhos com palavras em espanhol não teriam graça no Brasil. Eu cheguei a traduzir uns dois capítulos e não era fácil. No Chaves clássico foi assim também. Com os nomes dos personagens aconteceu isso também. No original, todos os nomes começavam com "Ch": "Chómpiras", "Chaparrón". Nós tentamos traduzir da mesma forma, e colocamos "Chaveco" no "Chómpiras". Pensamos em um nome para o "Chaparrón", mas não tinha nenhum bom com "Ch". Colocamos "Pancada", mas chegamos a pensar em "Chapado" (risos).

O senhor procurou chamar os mesmos dubladores que dublaram a série clássica?
Sim. Quem eu conseguia chamar, eu chamava. O Silton [Cardoso, dublador de Horácio Gómez Bolaños, o Godines] estava perdido, só voltou agora. O Mário [Villela, dublador de Edgar Vivár] estava doente, bebia muito, e não conseguiria dublar o Botijão, porque ele fala muito depressa. O Senhor Barriga ele conseguiria, mas o Botijão, não. Tanto que ele não conseguiu na dublagem dos DVDs (Mário Villela faleceu em 2005; na época, dublava no Studio Gabia episódios que seriam lançados em DVD pela Amazonas Filmes).

Como conheceu Cassiano Ricardo, o substituto do Marcelo no Clube?
O irmão dele já trabalhou comigo no circo. O Cassiano é ator e estava na peça "Caixa Dois". Então eu o levei ao SBT e o apresentei ao Salathiel Lage, que tinha voltado ao SBT. Procurei alguém que imitasse o Marcelo e o Cassiano nunca tinha dublado. Ele era ator e imitador. Ele fez o teste e passou. Queriam até que eu fizesse (risos). Chegaram a me convidar, mas eu pensei: "Não vou entrar nessa fria" (risos). Porque o Marcelo ficou marcado. O SBT não devia ter exibido o Chaves do Clube. Só os clássicos, e só os outros personagens, Chaveco, Pancada.

Um comentário:

  1. Maravilha de entrevista, sempre ótimo lembrar e principalmente mostrar todos os que fizeram parte da criacão do seriado que eu considero brasileiro Chaves, souberam fazer de um dos piores programas de tv o Chavo no melhor do mundo Chaves.
    Parabéns...

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